Com
o título “Quem muda a cidade somos nós. Reforma urbana já.”,
cada cidadão cachoeirense foi convidado para participar da 2ª
Conferência da Cidade, onde serão levantados os problemas e as
soluções para a (re) forma da cidade que queremos, tanto para nós
como para as futuras gerações. Nessa seara um assunto sempre me
chamou muito atenção: o excessivo dever que um trabalhador (de
baixa renda) tem para com a cidade, levando em consideração a carga
tributária, a contribuição dele e dos demais cidadãos e o direito
que eles têm à cidade – usando dentro deste conceito amplo de
cidade, o saneamento básico, como objeto de análise, já que é um
dos temas a ser debatido (e reformado, espera-se!) no evento.
Precisamos
usar dados gerais para alcançar nosso objetivo de abordagem da
problemática. Pensemos que todas as pessoas vivem nas cidades. Antes
de viver no Estado (neste caso lido como um ente da federação, em
sentido estrito, o Rio Grande do Sul), antes de viver no Brasil, o
cidadão vive na cidade, no bairro, na rua. Usemos ainda o fato de a
carga tributária brasileira ser de aproximadamente 40% de tudo que
ganhamos ou produzimos. Obviamente que alguns produtos são mais,
outros são menos, porém para facilitar a análise do problema vamos
pensar em uma espécie de “imposto único”, girando em torno
desse valor. Sabemos: não chega a esse valor, nem todo esse tributo
vem para os cofres municipais. Mas façamos esse uso, mesmo assim.
Em
meio a esses dados vamos pegar como objeto de análise dois cidadãos
cachoeirenses, anônimos, um que tenha uma renda de R$ 10 mil reais;
outro que seja empregado doméstico (de um patrão bom) e ganhe 1 mil
reais. Tudo aproximadamente. Acrescentemos ainda que ambos utilizem
800 reais para seu gasto básico. Para seu “rancho”.
Durante
o mês de trabalho, ambos após as despesas inevitáveis terão
gastado R$ 800 reais. Entretanto, 40% deste valor é tributo (aquele
imposto único, usado para facilitar nosso exame do caso) que será
recolhido ao tesouro municipal. Assim, tanto o trabalhador quanto o
outro cidadão terão deixado R$ 320 reais de tributo para o
município. Porém com há uma diferença neste ato: o valor de R$
320,00 reais representa 32% do salário do trabalhador e apenas 3,2
% do salário da outra pessoa. Ou seja, o trabalhador deu para a
cidade 32% de sua renda; o outro ofereceu apenas 3,2%, neste caso
que, apesar de hipotético, anda muito perto da realidade. O sistema
tributário vigente cobra muito de quem ganha pouco para viver no
Brasil, mas cobra pouco de quem ganha muito. Isso não em valores, e
sim em percentuais. O imposto do quilo de arroz comprado pelo
magistrado ou pelo carroceiro é o mesmo. Assim, em termos de
arrecadação, o trabalhador é mais exigido, é mais explorado.
O
sistema tributário, como podemos concluir, é injusto. Por outro
lado há uma dificuldade enorme de ser feita uma reforma tributária,
de corrigir essas disparidades, tanto porque há muitos interesses em
jogo, como porque são muitos e complexos tributos, de todos os entes
da federação. Exemplo o ICMS é estadual, mas o município tem
direito a uma parcela. Tanto que os auditores estaduais estiveram com
o chefe do poder executivo convidando-o a ajudar na fiscalização do
recolhimento do referido tributo, em troca, claro, de mais
arrecadação para o município.
Bem,
falamos de arrecadação. E a despesa? Como é gasto esse dinheiro
arrecadado, ou seja, como é feito o orçamento, pelo prisma do
cidadão de 10 mil, do trabalhador e em relação ao esgoto?
Analisemos. O cidadão que aufere 10 mil reais mensalmente,
obviamente reside, por suas possibilidades econômicas, em algum
bairro da cidade que é atendido por todos os serviços públicos:
água, luz, pavimentação, saneamento, esgoto, etc..
Como o caso que
debatemos é saneamento, este bairro onde reside este servidor com
certeza está dentro daqueles 28 % que tem esgoto. Já o empregado,
pelas suas condições materiais, deve residir em alguma vila, em
algum bairro mais afastado (basta que analisemos quanto custa morar
em nossa cidade), com todas as mazelas de um dos bairros que compõem
aquele percentual de 72% sem esgoto.
Analisados
esses dados, percebemos que quem mais contribui para o orçamento
municipal, ou seja, quem mais sente o peso da carga tributária
(porque ganha apenas o suficiente para viver, sem opção de deixar
de pagar tributo, porque precisa comprar o básico e comprando gera o
fato gerador, ou seja, paga tributo) foi quem menos recebeu o serviço
público esgoto. Ou seja, quem ganha menos, paga mais, para que quem
ganha mais, pague menos, para ter mais serviço público – esgoto.
Uma injustiça histórica e estrutural que precisa ser combatida.
A
cidade por essa perspectiva no momento que vai se desenvolvendo gera
ônus e bônus. Ocorre que há uma distribuição injusta dessas
consequências. Como no caso dos esgotos, uma parcela privilegiada
da população recebe uma quantidade maior de benefícios, enquanto
outra parte da população fica sujeita a uma quantidade excessiva de
consequências negativas. Atentemos para o fato de que em Cachoeira
do Sul existi bairro onde não há uma indústria, não há um prédio
público, há apenas moradias, ruas altamente manutenidas,
pavimentadas, praças e jardins. Enquanto há bairro onde imperam as
consequências maléficas da injustiça social e do desenvolvimento
urbano: há ruas sem pavimentação, sem esgoto, sem saneamento, há
a poluição sonora, atmosférica, visual dos empreendimentos
empresariais, etc. Essa divisão injusta do lado bom e do lado ruim
da cidade precisa ser revista. Nem uma parte da cidade pode continuar
residindo no “jardim de Éden”, nem a outra parcela da população
pode sentir, sozinha, toda a influência negativa da sociedade
moderna.
Apenas
uma justa, planejada, eficiente e continuada política pública de
reforma urbana pode fazer justiça neste ponto abordado. Se o
trabalhador dos mil reais mensais é quem mais paga imposto, se ele
reside nos bairros onde menos se tem saneamento (por impossibilidade
de residir em outro), há que ser montada uma sistemática de
distribuição de recurso orçamentário, com tempo e valores
previamente estabelecidos, para que essa lógica social injusta seja
corrigida.
E
como seria alterada essa lógica? Como já se fala, quer seja por
bairro, por zona, por problema, faz-se-ia uma divisão de Cachoeira
do Sul quanto ao quesito esgoto, por exemplo, e conforme seja o
percentual dotado desse serviço, haveria uma pontuação e entraria
no orçamento. Em outras palavras: se o bairro “A” tem 90% de
rede de esgoto, enquanto o bairro “B” tem apenas 20%, então,
quando for feita a distribuição orçamentária, aquele bairro que
tem menos, receberia mais recurso (que pode ser aumentado, ainda,
para ser proporcional ao valor que as pessoas que moram no bairro
pobre entrega como imposto, se comparadas às pessoas residentes nos
bairros mais elitizados). Já o bairro totalmente ou quase totalmente
coberto pela rede de esgoto, receberia, respectivamente, apenas o
necessário para manter a rede de esgoto já existente ou para fazer
a parte que ainda não tem. Não haveria um bairro sequer sem
recurso, mas se fazia justiça urbana.
Por
último, como garantia e para um efetivo controle social, esses
valores, essa política, após debatida, seria inserida por um
período de tempo necessário nas leis orçamentárias e, quiçá,
da Lei Orgânica da cidade, para evitar as vaidades pessoais, as
discricionariedades excessivas. Assim: independentemente de outros
recursos alocados, no orçamento municipal, até que a cidade
assumisse uma condição urbana razoável, haveria um investimento,
justo, em saneamento básico, esgoto, pavimentação, etc. Uma
política pública institucionalizada.
À
guisa de conclusão, apesar da análise ora terminada ser feita
levando em consideração esgoto, pode ser aplicada, com as
adaptações necessárias, em todas as obras e serviços públicos.
Agora
o debate! Vamos?
Abel
Santos de Araújo.
Servidor
Público.
Militante
Movimento Comunitário.
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